ARTIGOS

Direito à Convivência Familiar e Comunitária: notas sobre a adoção e o processo de tornar-se mãe e pai.

Rita de Cássia Fazzi[1]

Joelcio Fernandes Pinto[2]

Andreia dos Santos[3]

Sânia Maria Campos[4]

Fernanda Lemos Ferreira[5]



[1] Doutora em Sociologia pelo IUPERJ, professora aposentada do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC Minas e membro do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Fundação Educacional e Cultural Metropolitana (FECM).

[2] Doutor em Educação Física (FaE/UFMG), professor do Departamento de Educação Física da PUC Minas, professor do Programa de Pós-graduação em Educação Profissional da FaE/UFMG e membro do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Fundação Educacional e Cultural Metropolitana (FECM).

[3] Doutora em Sociologia, professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC Minas, Coordenadora Institucional do Programa Residência Pedagógica, do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Fundação Educacional e Cultural Metropolitana (FECM).

[4] Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Aposentada como servidora pública efetiva da Prefeitura Municipal de Betim. Aposentada como professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atualmente é membro do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Fundação Educacional e Cultural Metropolitana (FECM).

[5] Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro do Núcleo de Direitos Humanos e Educação da Fundação Educacional e Cultural Metropolitana (FECM).


1. Introdução

O objetivo desse artigo é problematizar o processo de tornar-se mãe e pai por meio da adoção legal, uma das formas de efetivar o direito à convivência familiar e comunitária preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A família é também responsável, ao lado do poder público, da comunidade e da sociedade, pela garantia dos direitos infanto-juvenis e deve ser um espaço propício para o desenvolvimento integral de seus membros, o que isso implica a construção da maternidade e da paternidade orientada pela concepção moderna de criança e adolescente como sujeitos de direito. No contexto desses princípios, a constituição de famílias por adoção envolve desafios jurídicos e sociais complexos, entre eles, o das relações a serem construídas entre pais e filhos, exigindo o aprofundamento analítico das peculiaridades dessa construção em relação à das famílias biologicamente constituídas, no intuito de ampliar a compreensão e facilitar a formação do lugar de mãe e pai.

Em busca de uma inserção na problemática da construção do lugar de mãe e de pai e, consequentemente, do lugar de filho/a, nas famílias por adoção, solicitamos a duas mães adotantes que gravassem livremente o seu relato sobre essa experiência, contando sobre as motivações, as dificuldades e o que considerassem importante nas relações estabelecidas com o filho ou filha adotada. Esses relatos foram enviados por meio digital. Também foi realizada uma entrevista filmada online com um pai adotante, ao qual foi pedido, inicialmente, que relatasse a sua experiência de adoção e, quando ele solicitou perguntas para continuar, pedimos o aprofundamento de alguns aspectos do relato feito. Esse formato de pesquisa à distância foi decidido em função da pandemia do novo coronavírus. O trabalho de campo foi realizado no segundo semestre de 2020, os depoimentos foram transcritos literalmente, os dados foram categorizados, sistematizados e submetidos a um processo de interpretação qualitativa dos significados subjetivos revelados sobre a experiência de tornar-se mãe e pai por adoção. Esse trabalho de campo, de caráter exploratório, teve a pretensão de evidenciar questões levantadas pelos participantes que pudessem dialogar com a reflexão realizada pela literatura acadêmica a respeito dos diversos sentidos sociais atribuídos a filhos adotivos e sugerir problematizações para novas pesquisas e para as políticas públicas direcionadas à efetivação do direito à convivência familiar e comunitária por meio da adoção.

O artigo está dividido em quatro partes, além dessa introdução. Na primeira, é feita a apresentação da concepção do direito à convivência familiar e comunitária e do processo formal de adoção no direito brasileiro, com foco no entendimento das mudanças trazidas na legislação e prática jurídica para se adequarem à doutrina de garantia de direitos. Na segunda parte, buscamos contextualizar historicamente a emergência da concepção de criança e adolescente como sujeitos de direitos e das relações familiares mais igualitárias, nas quais a posição da mulher e dos filhos se altera, apontando a existência de várias configurações familiares, inclusive simultâneas a uma mesma época e sociedade, e os desafios contemporâneos da instituição família. A concepção moderna de criança e adolescente como sujeito de direitos e o reconhecimento de diversos arranjos familiares nos quais uma criança contemporaneamente pode ser inserida por adoção são frutos de um longo processo contraditório, não linear, sendo a família alvo de um debate que tenta, de um lado, naturalizar um modelo nuclear único de família e, de outro reafirmar relações familiares mais igualitárias entre todos os seus membros. Nessa discussão, o sentido de maternidade e paternidade também se transforma, em direção, por exemplo, a uma maternidade e paternidade afetivas que busca desbiologizar a constituição da relação mãe/pai e filhos. Essa mudança teve e tem reflexos na legislação e no processo jurídico de adoção. Na terceira parte, são apresentados os resultados da interpretação dos relatos sobre o processo de tornar-se mãe e pai por adoção e, nas considerações finais algumas questões são problematizadas em diálogo com a discussão acadêmica sobre esse tema.

2. O direito à convivência familiar e comunitária e o processo formal de adoção no Brasil.

O ECA, aprovado em 13 de julho de 1990, inaugura um novo olhar sobre a infância e adolescência, trazendo novas concepções, percepções e mudanças nas políticas públicas voltadas para este público. Sintonizado com os preceitos e princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da qual o Brasil é signatário, crianças e adolescentes passam a ser reconhecidos como cidadãos que deverão ter seus direitos humanos garantidos (sujeito de direitos exigíveis) e promovidos através de uma ação articulada do Estado, da família e da sociedade.

A década de 80 foi marcada no Brasil por movimentos e luta pela redemocratização do país. Neste contexto, houve também grande mobilização social diante da violação dos direitos das crianças e dos adolescentes, principalmente no Sistema da FEBEM (Fundação de Bem Estar do Menor|). A doutrina da Situação Irregular era o paradigma da Política de Bem Estar do Menor, baseada no Código de Menores (1927) e no Novo Código de 1979.

De 1964 até a metade dos anos 1980, o Brasil vivenciou o autoritarismo de uma ditadura militar e o esvaziamento do debate público sobre os direitos de crianças e adolescentes, em curso em outros países. Como reflexo, foram elaboradas medidas e aparatos repressivos, como a criação da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (Funabem) e a reformulação do Código de Menores. Dessa forma, apesar da existência de propostas progressistas, após 30 anos de debates, o movimento partidário de um direito menorista (ligado à Associação dos Juízes de Menores e Juristas do Rio de Janeiro) venceu a disputa que defendia o enfoque na garantia de direitos e o Código de Menores sofreu a primeira reformulação em 1979. Neste documento, foi introduzido o conceito de “menor em situação irregular”. Em todo o País, diferentes grupos buscaram reagir à criação do Código. Mas, em um ambiente político antagônico e que impedia tais manifestações, estes grupos tiveram que esperar a retomada da democracia para restituir o debate e a luta por mudanças. (SEDH,CIESP, PUC- Rio, 2010, p. 21)

Predominava a cultura da institucionalização. Crianças e adolescentes poderiam ser separadas de suas famílias e comunidades por medidas judiciais e encaminhadas para as escolas da FEBEM e para os Centros de Triagem, seja por cometerem atos infracionais, seja por motivo de pobreza e situação precária de suas famílias.

No final da década de 80, com a aprovação da nova Constituição e com a mobilização de vários movimentos sociais, como a Pastoral do Menor, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento Nacional dos Meninos de Rua dentre outros, o Brasil caminhou para a construção do Estatuto da Criança e do Adolescente: “O Brasil foi a primeira nação a promulgar um marco legal em sintonia com a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada seis meses antes, ao final de 1989, no âmbito das Nações Unidas.” (SEDH,CIESP, PUC- Rio, 2010, p. 25). O ECA, baseado na Doutrina da Proteção Integral, considera em situação irregular o Estado, a família e a sociedade quando não promovem e garantem, com absoluta prioridade, a proteção integral à todas crianças e todos adolescentes, sujeitos de direitos exigíveis em situação peculiar de desenvolvimento. Dentre os direitos humanos que devem ser garantidos às crianças e aos adolescentes, o ECA deu bastante destaque ao Direito à Convivência Familiar e Comunitária. O artigo 19 que trata deste direito foi um grande marco. Esse artigo trata do “direito de ser criado e educado no seio da sua família, e excepcionalmente, em família substituta”. A norma implica na necessidade de avaliação constante e efetiva das crianças afastadas das suas famílias para programa de acolhimento familiar ou institucional, realizada por equipe interprofissional, composta de profissionais do órgão Judiciário, prezando sempre pela manutenção e reintegração da criança ou adolescente à sua família de origem. Significa dizer que a realocação de criança e adolescente em família substituta é medida excepcional, tendo em vista que embora seja preferível ao abrigamento, a convivência familiar deve ser exercida com absoluta preferência no seio da família natural.

O Estatuto previu a extinção de instituições fechadas ou asilares do tipo “orfanato”. O abrigamento passou a ser medida excepcional e provisória. Entretanto, depois de mais de 30 anos de aprovação do ECA, garantir o direito à Convivência Familiar e Comunitária a todas as crianças e adolescentes ainda é um grande desafio no Brasil.

A prática histórica de acolhimento institucional, por longo tempo de permanência e violando o direito à convivência familiar e comunitária, vem sendo firmemente combatida na era pós-Estatuto. Os grandes internatos de “menores” são hoje abrigos, com número limitado de vagas, porém a demanda por institucionalização ainda existe. Como se explica? Um dos motivos é a precariedade de recursos materiais e acesso a direitos básicos como educação e saúde de qualidade, capazes de prover vida digna para grande parte da população brasileira. Outro motivo é a persistência do olhar sobre a família pobre como inadequada e/ou incapaz de criar seus filhos. A insuficiência de suportes públicos e comunitários de apoio às famílias tem tornado difícil o acesso ao direito que as crianças e os adolescentes têm de viver em contexto familiar e comunitário. (SEDH,CIESP, PUC- Rio, 2010, p. 78)

Para enfrentar este desafio da desinstitucionalização de crianças e de adolescentes, em 2006 entrou em vigor o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária, construído por uma Comissão intersetorial coordenada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). O Plano propõe ações para prevenir o rompimento dos vínculos familiares e qualificar os serviços de acolhimento e o investimento para o retorno das crianças e adolescentes ao convívio familiar e comunitário.

Um dos caminhos para que crianças e adolescentes que tiveram vínculos familiares rompidos possam ter o direito à convivência familiar e comunitária garantidos, é o da adoção legal.

Uma outra questão importante relacionada ao direito à convivência familiar e comunitária é a possibilidade de adoção de crianças e adolescentes. A adoção é uma medida legal, recomendada nos casos em que os pais sejam desconhecidos, que tenham sido destituídos do poder familiar, ou ainda que tenham consentido na adoção. (SEDH,CIESP, PUC- Rio, 2010, p. 80).

No entanto, segundo dados apurados em fevereiro de 2021 que constam no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é grande o número de crianças e adolescentes à espera de uma família diante do número de pretendentes à adoção. Existem no Brasil 8.696 crianças e adolescentes cadastradas no Sistema Nacional de Adoção, dentre estas, 4.089 estão de fato disponíveis para adoção. Por outro lado, o sistema registra 46.393 pretendentes de grupos familiares dispostos a adotar, dentre estes, 42.789 estão disponíveis. Esses dados revelam uma parte do grande desafio de garantir o direito à convivência familiar e comunitária, considerando-se que há um número muito maior de crianças e adolescentes acolhidas em todo país.

Atualmente, há iniciativas e campanhas que buscam dar visibilidade às condições de vida das crianças abrigadas e estimular a adoção legal, numa tentativa de efetivar o direito à convivência familiar e comunitária.

O processo formal de adoção tal qual conhecemos hoje no Brasil decorre da mudança de paradigmas que incorporou crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, detentores de absoluta prioridade. Esse salto conceitual foi incorporado pelo ECA alterando o procedimento necessário para realização da adoção, aprofundado pelas leis 12.010/09 (Lei da Adoção) e pela lei 13.509/2017. Um dos avanços a considerar é que, por meio do Estatuto, a criança e o adolescente ganham voz neste processo, sendo disposto no artigo 28 § 1 que, “sempre que possível a criança ou o adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada”.

A Lei nº 12.010/2009, conhecida como “Lei da Adoção” estabelece o tempo máximo de abrigamento de 2 anos, determinando o envio de relatório a cada 6 meses pela instituição; a necessidade de fomentar políticas públicas que apoiem e orientem as famílias; a preservação da cultura de crianças que sejam advindas de famílias indígenas priorizando a sua reintegração ou adoção às famílias de mesma cultura; a elaboração de um cadastro nacional e estadual de adoção visando um cruzamento de informações mais eficaz; e, por fim, a mudança na regulação da adoção internacional utilizando esta como última possibilidade. (SEDH,CIESP, PUC- Rio, 2010, p. 81).

Para garantir a proteção integral ao público infanto-juvenil e o direito à convivência familiar e comunitária, estabeleceu-se vários instrumentos para regulamentar e dar segurança aos processos de colocação da criança e do adolescente em família substituta. Esse processo é necessário para que não haja violação dos direitos conquistados na Constituição Federal de 1988 e no ECA. Um marco importante foi a criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), em 2008, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça. O CNA é capaz de informar o número de pretendentes a adotar e as crianças aptas a serem adotadas, unificando o sistema e garantindo a ordem de prioridade na fila de adoção.

O processo formal de adoção é composto por várias etapas e dotado de peculiaridades. O primeiro passo é a solicitação junto a uma Vara da Infância e Juventude ou Fórum da Comarca, com a apresentação de uma série de documentos, dentre eles, certidão de antecedentes criminais e atestados de sanidade física e mental. Os documentos essenciais ao cadastro no sistema nacional de adoção estão descritos no ECA, porém, a depender da Comarca, é possível que sejam solicitados outros complementares. Toda a documentação apresentada é analisada pelo Ministério Público, que também tem a prerrogativa de solicitar mais documentos que julgar necessários à análise.

O passo após o deferimento pelo Ministério Público é a realização de um estudo técnico interprofissional e multidisciplinar junto aos candidatos à adoção. O objeto da realização deste estudo é verificar se os requerentes reúnem condições sociais e psicológicas para assumirem a adoção. A análise é realizada por psicopedagogos, assistentes sociais e psicólogos e visa conhecer as motivações e expectativas dos candidatos. Se comprovados os requisitos elencados pelo ECA (Artigos 29 e 43), e caso não haja “incompatibilidade com a natureza da medida” e “ofereçam ambiente familiar adequado”, os pretendentes à adoção são inseridos no Cadastro Nacional e podem escolher o perfil da criança.

Os aprovados na fase anterior são convocados então para participar de um curso de preparação psicossocial e jurídica, no qual são discutidas as necessidades emocionais da criança adotiva e a responsabilidade que circunda a paternidade e maternidade.

A partir desse momento se inicia a fase de espera para acolhimento. Quando a criança correspondente ao perfil é encontrada, o procedimento chega à fase de convivência. Neste período ocorre a realização de visitas dos pais adotantes no abrigo e também a retirada da criança do abrigo para visitar a casa dos pretendentes à adoção nos finais de semana, período que varia de acordo com a Vara, juiz e pais. Ao fim desse estágio, finalmente o juiz determina a adoção. (SENADO FEDERAL, 2013, p.1)

Conforme será visto no item 4 de apresentação dos resultados do trabalho de campo, esse processo formal de adoção é carregado de tensão, ansiedade, medo e expectativas por parte dos envolvidos. Antes, porém, é necessário situar o contexto sócio-histórico e cultural mais amplo das mudanças nos sistemas familiares e, consequentemente, nas relações entre homens e mulheres e nas relações entre pais e filhos no sentido de compreender a família enquanto uma instituição em mutação e reconhecer a coexistência temporal de várias configurações familiares, inclusive numa mesma sociedade. A concepção contemporânea do Direito à Convivência e Familiar e Comunitária reflete esse longo processo de mudança.

3. Pluralidade das configurações familiares e os desafios contemporâneos.

Família é uma forma socialmente dada de relação entre seus membros. Segundo ELIAS (1998), a estrutura dessa relação não é imutável e está relacionada à sociedade mais ampla da qual é parte. A família não é uma figuração autônoma.

Em seu estudo sobre as mudanças da família no mundo moderno, no período de 1900 a 2000, THERBORN (2006) afirma que no século XX,

o patriarcado, o direito do pai, foi o grande perdedor (...) nenhuma outra instituição social viu-se forçada a se retrair tanto (...). A secularização e a redemocratização avançaram no curso do século XX, mas, claramente permaneceram bem atrás de um processo que nem mesmo conseguiu ainda uma designação apropriada. Podemos nomeá-la de despatriarcalização. (THERBORN, 2006: 114).

O autor (THERBORN, 2006: 114-116) destaca três momentos históricos importantes no processo de “despatriarcalização”: por volta da Primeira Guerra Mundial, entre 1910 a 1920; após a Segunda Grande Guerra; e após 1968. Em cada momento, forças diferentes contribuíram com a mudança nas práticas familiares. No primeiro momento houve a reforma do direito de família na Escandinávia, com sua “concepção individualista e explicitamente igualitária de casamento” (THERBORN, 2006:123) e a Revolução Russa que introduziu “a escolha livre do casamento, a igualdade entre marido e mulher e o divórcio sem alegação de culpa”. (THERBORN, 2006:440). No segundo, a ocupação americana no Japão e a sua influência na nova Constituição japonesa com a adoção da “cláusula de igualdade de sexos” (THERBORN, 2006:141), a Revolução Comunista chinesa de 1949 que “significou a montagem de um ataque em grande escala ao mais antigo e elaborado patriarcado do mundo” (THERBORN, 2006:142) e a Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 com suas formulações igualitárias sobre gênero e família. No terceiro momento, observa-se a internacionalização de um movimento,

encabeçado pela rebelião jovem dos anos 1960 e, em particular, pelas primeiras coortes femininas de educação superior em massa na América do Norte e na Europa Ocidental. Esse movimento expandiu-se em uma onda global de feminismo, em grande parte por meio do dispositivo da ONU – o Ano Internacional da Mulher de 1975 e sua convocatória global no México. (THERBORN, 2006: 150).

Nesse terceiro momento o autor considera também que o processo de democratização na América do Sul e na África Meridional, nos anos 1980 e início dos 1990, “deu um forte ímpeto sociopolítico à despatriarcalização”. (THERBORN, 2006:159).

Therborn (2006: 118-119) identifica, em todo o período estudado, quatro correntes ideológicas que impulsionaram o descrédito do patriarcado: o movimento feminista de mulheres, “a força principal da Década da Mulher”, o movimento trabalhista socialista, “defensor poderoso da família igualitária”, o liberalismo secularizado, “de proveniência principalmente cristã-protestante ou judaica” e a vertente do nacionalismo desenvolvimentista, que “forneceu os primeiros escritores contra o patriarcado e a opressão masculina fora da Europa e das Américas”, como, por exemplo, no caso “das reformas [...] na Turquia nos anos de 1920” e do “constitucionalismo de direitos iguais dos movimentos de independência na Ásia e na África após a Segunda Guerra Mundial”. (THERBORN, 2006: 119).

É necessário enfatizar, no entanto, que mesmo com todas essas mudanças nas relações familiares, com a expansão dos direitos legais das mulheres e crianças, da educação e da autonomia proporcionada pelo trabalho feminino remunerado, o patriarcado, no sentido de “dominação paterna e marital” (THERBORN, 2006:195) subsiste em várias partes do mundo e, em outras, observa-se “movimentos neopatriarcais, via de regra, com argumentação religiosa.” (THERBORN, 2006: 161).

O casamento, “parte do complexo institucional mais amplo da família” (THERBORN, 2006: 198), é abordado por este autor a partir de sua dimensão sociossexual. Ele identifica, durante o processo de despatriarcalização, a constituição de um padrão homogêneo da ordem sociossexual ocidental caracterizado por um

baixo nível das taxas de nascimento [...], educação padrão compulsória [...], manutenção de normas sexuais estritas combinadas com crescentes possibilidades de se evitar acidentes sexuais, alta taxa de nupcialidade e concentração de casamentos em um intervalo de idade curto e historicamente precoce, um próspero decréscimo da desigualdade entre classes de domicílios, uma ampla difusão social entre as classes sociais das normas de família burguesas e do casamento com dona-de-casa, com o advento das pensões vitalícias e da aposentadoria padronizada. (THERBORN, 2006: 455-456).

Esse padrão começou a ser quebrado a partir de 1968 em consequência das mudanças produzidas pela chamada revolução sexual - terceiro momento da despatriarcalização -, provocando o retorno da complexidade dos arranjos familiares, em especial, da família europeia ocidental, que inclui:

tanto o não-casamento quanto o casamento, idades variáveis de casar, coabitação informal e nascimentos extramaritais [...] algumas formas novas ou anteriormente raras ou marginais: o casal de dupla renda, o casal deliberadamente sem filhos [...] a infância de filho único; o casal de meia-idade de ninho vazio [...] e o domicílio da pessoa sozinha idosa. (THERBORN, 2006: 456).

No Brasil ocorreu também um processo de formalização da ordem sexual na primeira metade do século XX (redução do número de uniões informais e de nascimentos fora do casamento), superando provisoriamente o “legado colonial de informalidade conjugal [sendo que] depois de 1950, sobretudo após 1970, a proporção de uniões consensuais voltou a crescer [...] ” (THERBORN, 2006: 302) e, na metade da década de 1990, observa-se a presença marcante de famílias extensas, não nucleares. (THERBORN, 2006: 325). Segundo o autor, “parece ter ocorrido no Brasil [...] uma reconexão com os padrões de família anteriores ao boom do casamento de meados do século XX”. (THERBORN, 2006:302).

A reflexão de GIDDENS (2007) sobre o mundo no final do século XX destaca que “entre todas as mudanças que estão se dando no mundo, nenhuma é mais importante do que aquelas que acontecem em nossas vidas pessoais – na sexualidade, nos relacionamentos, no casamento e na família”. (GIDDENS, 2007: 61). Essas mudanças têm provocado uma discussão sobre a igualdade sexual, a regulação da sexualidade e o futuro da família. Alguns políticos diagnosticam uma crise da instituição e defendem o “retorno à família tradicional” se referindo ao padrão da década de 1950 com “ambos os pais morando juntos com os filhos nascidos de seu casamento, sendo a mãe uma dona-de-casa em tempo integral e o pai assegurando o sustento” (GIDDENS, 2007: 67). O autor ressalta, no entanto, a existência de uma igualdade fatual e legal maior entre homens e mulheres do que anteriormente e o casamento ser visto, não como um contrato econômico, mas como fundamentado no amor romântico.

A partir da década de 1950, as características se alteram e vários sistemas familiares são encontrados em todos os países, incluindo as formas tradicionais. Para Giddens (2007:68), a mudança se deu na direção da constituição do casal como central na “vida familiar à medida que o papel econômico da família declinou e o amor, ou o amor somado à atração sexual, se tornou a base da formação dos laços do casamento [criando] uma unidade baseada em comunicação ou intimidade emocional”. Esse tipo de laço social exige igualdade e respeito entre as partes, estabelecendo-se direitos iguais e obrigações, e a existência de confiança mútua.

A posição das crianças nos sistemas familiares em mutação, especialmente ao longo do século XX, também sofreu modificações. Giddens (2007) informa que, atualmente, nos países ocidentais,

a decisão de ter um filho [...] é guiada por necessidades psicológicas e emocionais. Os temores acerca do efeito do divórcio sobre os filhos e a existência de muitas famílias sem pai têm de ser compreendidos contra o pano de fundo das expectativas muito mais elevadas que temos com relação ao modo como as crianças deveriam ser cuidadas e protegidas. (GIDDENS, 2007: 69-70).

Em relação a essa nova sensibilidade, ARIÈS (1981:69) observa que até o século XIII europeu existia uma indiferença pelas características próprias da infância, que era pouco particularizada na vida real. Nesse sentido, o autor identifica a ausência de um sentimento da infância na Idade Média e aponta a descoberta da infância no século XIII e acompanha sua evolução na história da arte e da iconografia dos séculos XV e XVI, mas é no fim do século XVI e durante o século XVII “que os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos.”(ARIÈS, 1981: 65). O sentimento da infância, segundo o autor, constitui as crianças numa sociedade separada da dos adultos. É a consciência que distingue a criança do adulto, mesmo jovem.

ELIAS (1998), em seu comentário ao trabalho de Ariès acima apontado, identifica um viés romântico, apesar de reconhecer o valor desse trabalho, devido ao fato do autor ter olhado para as mudanças nas relações entre pais e crianças com certo ressentimento e por ter acreditado num passado melhor. Ao fazer isso, Ariès esquece que “as sociedades medievais eram – comparadas com as nossas – muito violentas”. (ELIAS, 1998: p.8). Para ELIAS, a relação entre adultos, em geral, e pais, em particular e crianças forma uma figuração em processo constante de mudança. O autor observa que durante o século XX houve uma aceleração da transformação da relação entre pais e crianças e que a explicação desse processo de mudança não pode dispensar o quadro conceitual da teoria do processo civilizador, não sendo possível explicar a transformação simultânea da estrutura de personalidade de muitas pessoas sem considerar a rede de relações que as pessoas formam entre si. Assim, para o autor, uma compreensão mais ampla das mudanças na relação pais-crianças requer uma teoria da civilização e, afirma que ele próprio, em seu estudo sobre o “Processo Civilizador”, nos anos 30, mostrou o “avanço civilizacional na relação pai-criança do século 16 e 17” (GIDDENS, 1998: p. 7). Nas sociedades medievais e nas anteriores, a distância entre criança e adultos não era tão grande quanto é atualmente: “vagarosamente, durante o início do período moderno, crianças foram removidas do mundo adulto e suas vidas isoladas em suas próprias ilhas de juventude dentro da sociedade”. (ELIAS, 1998: p. 7). Durante o século XX, o reconhecimento dos direitos humanos da criança, o que exige o entendimento e o respeito de sua identidade particular como criança, impulsiona o processo de transformação da relação entre pais e crianças: “o Ano da Criança simboliza o fato que crianças de sociedades atuais, apesar de sua dependência, são reconhecidas como tendo, em um alto grau, seu caráter único próprio como um grupo particular de membros dessa sociedade”. (ELIAS, 1998: p. 1).

ELIAS (1998: 13-14) observa ainda que a partir do século XVIII, o código moral introduzido pela burguesia, em oposição ao código aristocrático de boas maneiras, desenvolveu outro padrão de civilização que difundiu uma série de proibições especialmente no campo da sexualidade, introduzindo uma grande onda de repressão que alcançou seu ponto mais alto no chamado período Vitoriano. Paralelamente, esse é “um período de ilimitada autoridade dos adultos sobre as crianças”. (ELIAS, 1998: 13). O autor identifica a emergência de um novo código em meados do século XX nos estados industriais mais desenvolvidos. Esse novo código rejeita os crescentes tabus sexuais e as regras e proibições da moralidade do período prévio, bem como seu código moral. Essas novas experimentações de formas relacionais, interpretadas por ELIAS (1998) como ondas de informalização, não significam, no entanto, um retorno ao padrão do período pré-vitoriano. Segundo o autor,

[...] o que está desaparecendo são muitos dos símbolos de autoridade e indicações formais de respeito que em tempos anteriores serviam como símbolos de autoridade e também como meios de assegurar autoridade parental. O lento declínio de atitudes ostentatórias e de símbolos de respeito nas relações entre crianças e pais é claramente sintomático da redução da autoridade parental, de uma diminuição da desigualdade nas relações entre pais e crianças. Isso é um resultado não planejado de uma mais ampla e multifacetada mudança nas sociedades estatais mais desenvolvidas [...] Isso é uma crescente renúncia por parte dos pais da violência física como um meio de disciplinar suas crianças. Tal renúncia é parcialmente demandada pela legislação estatal, parcialmente autoimposta sobre a base da crescente sensitividade a respeito do uso da violência física em relações humanas. Mas, precisamente isso mostra quão complexa é a mudança civilizatória em nosso tempo. (ELIAS, 1998: 14).

A informalização das relações entre pais e crianças significa, portanto, o enfraquecimento das antigas barreiras do respeito juntamente com uma firme proibição do uso da violência física na vida familiar e também nas relações entre adultos e crianças em geral e, particularmente, nas relações entre crianças e professores na escola. Essa nova tendência desenvolvimental exige, conforme ressalta ELIAS (1998: 14), um maior autocontrole por parte dos indivíduos envolvidos na relação, do que anteriormente era exigido. A descoberta da relativa autonomia das crianças em relação ao mundo adulto, sem esquecer a interdependência entre os dois mundos, gera novos problemas nas relações pais-crianças levando ao que o autor denomina de um peculiar e difícil paradoxo: a maior chance de poder dos pais sobre a criança ao lado da exigência de um maior autocontrole por parte deles do que em épocas anteriores, pois nas sociedades modernas, ao contrário de outras épocas, as crianças possuem um campo maior de tomada de decisão e de autonomia, no qual exercem também poder sobre seus pais, apesar da persistência de relações autoritárias. Essa alteração pode ser entendida, segundo ELIAS (1998), pelo fato de crianças preencherem necessidades e desejos particulares dos pais. Dessa forma, o autor aponta a emergência de um período de transição para relações mais igualitárias entre pais e crianças e isso produz para ambos os grupos um grau de incerteza maior.

Elias (1998) associa o crescimento da preocupação social com as crianças e da busca de entendimento de suas necessidades particulares com a diminuição da taxa de fertilidade e aumento da riqueza social no curso do processo de industrialização e urbanização das sociedades atuais, uma vez que crianças tornam-se mais valiosas para seus pais e para a sociedade em geral. Nesse processo, a balança de poder entre pais e crianças é mais igual do que ela costumava ser e ELIAS (1998: 15) cita a “descoberta da infância” e o “Ano da criança” como indicações dessa transferência de poder. A particularidade das crianças passa, então, a ser considerada pelos pais, professores e oficiais do estado.

A relação civilizada entre pais e crianças, tal como caracterizada por ELIAS (1998), continua seu desenvolvimento com a Convenção sobre os Direitos da Criança realizada pela ONU em 1989 e, no que diz respeito especialmente à sociedade brasileira, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990. Esses dois instrumentos concebem a criança enquanto sujeito de direitos, afirmando sua condição cidadã e a necessidade de proteção integral e especial.

Durante o século XX, muitas funções desempenhadas pela família foram assimiladas por outras instituições, em especial, pelo estado, modificando, assim, seu caráter e sua estrutura de autoridade, podendo identificar-se uma tendência em direção ao que ELIAS (1998:15) denomina de civilização das relações familiares ou de democratização, “pois hoje os balanços de poder entre homens e mulheres, como entre pais e crianças, são, se não igual, pelo menos mais igual que eles costumavam ser”. A escola é entendida pelo autor como um sintoma da “desfuncionalização parcial dos pais” e, portanto da família, que representa, “nos casos ótimos, um foco estável para a satisfação contínua de inclinações e necessidade de afeição, o lugar social confiável das pessoas ancorarem [...]” (ELIAS, 1998: 15). A família passa a desempenhar, acima de tudo, funções afetivas e emocionais.

Giddens (1999) ressalta como consequência das mudanças em direção a um padrão familiar mais igualitário e da ampliação do significado do casamento para além das certidões formais, incluindo também em sua definição a estabilidade da relação, a transformação da família “em um local para as lutas entre tradição e modernidade, mas também uma metáfora para elas. [...] Políticos e ativistas diagnosticam rotineiramente o colapso da vida da família e clamam por um retorno à família tradicional”. (GIDDENS, 1999: 63). Assim, em torno da família definida enquanto um espaço democrático de respeito mútuo e isento de violência e coerção, se constitui um embate entre o cosmopolitismo e fundamentalismo, nos termos do autor, pois a “igualdade dos sexos e a liberdade sexual das mulheres, que são incompatíveis com a família tradicional, são anátema para os grupos fundamentalistas” (GIDDENS, 1999: 74), que se fecham ao diálogo diante da complexidade cultural do mundo contemporâneo, defendendo seus valores e crenças como únicos possíveis.

A defesa do autor de uma concepção cosmopolita e democrática das emoções na vida cotidiana não elimina, no entanto, as dificuldades e problemas gerados pelas mudanças na instituição família. Mas, por outro lado, ele considera que a solução não poderia ser o retorno “aos papéis masculino e feminino tradicionais, ou à desigualdade legalmente definida”, por dificultar a “felicidade e a realização pessoal” dos envolvidos. (GIDDENS, 1999: 74).

Em outros termos, Elias (1980) também sugere que a tendência de mudança nas relações familiares coloca novos problemas para a família contemporânea, que são obscurecidos pela consideração de que a figuração família é sempre idêntica (como se existisse um modelo fixo). ELIAS (1998: 17) propõe, como vimos, que a tendência desenvolvimental de nosso tempo segue no sentido de uma redução da desigualdade entre os membros da família e que essa situação força as pessoas “a um grau maior que antes a trabalhar um modus vivendi entre si através de seus próprios esforços, isto é, mais propositivamente”, na ausência de uma forma de relação extremamente formalizada e relativamente fixada, como é o caso de uma balança de poder familiar muito desigual. Para o autor, as chances de sucesso são maiores quando as pessoas estão conscientes dessa tarefa e não consideram as relações familiares como naturais e conclui dizendo que “[...] cada relação familiar é um processo. Os relacionamentos estão sempre mudando e a tarefa sempre se coloca outra vez. Para seres humanos, a necessidade de trabalhar conscientemente sobre relacionamentos entre si nunca finda.” (ELIAS, 1998: 17).

As contradições e conflitos gerados pela complexidade das mudanças em curso nas relações familiares e os embates políticos e culturais que essa situação provoca se expressam juridicamente. A título de exemplo destas questões, apresentaremos a análise de alguns casos judiciais sobre a questão de famílias recompostas e sobre a questão da adoção no Brasil realizada por Lima e Sá (2016). As autoras observam que no Brasil, a partir da admissão do divórcio, mesmo com restrições, em 1977, inicia-se o processo de reconhecimento de famílias recompostas, fazendo com que “novas uniões fossem aceitas na sociedade, abrindo-se caminho para uma maior interação social e afetiva entre os filhos nascidos de diferentes relacionamentos de uma mesma pessoa e seus parceiros”. (LIMA E SÁ, 2016: 57). Esse arranjo “famílias recompostas” gera novos desafios jurídicos relacionados com a interação do padrasto ou madrasta com o/a enteado/a. Considerando esse tema, Lima e Sá (2016) analisaram cinco casos que tramitaram no judiciário brasileiro que implicam o entendimento de que “a paternidade/maternidade não tem como alicerce unicamente os laços biológicos”. (LIMA E SÁ, 2016: 60). No primeiro caso analisado, a filha e o pai-adotante pedem que na certidão de nascimento da filha, que foi adotada com dois anos na ocasião do falecimento do pai biológico, conste a multiparentalidade, com a adoção do sobrenome dos dois pais. O segundo caso está relacionado com um pedido feito por um enteado menor de idade que queria que o sobrenome de seu padrasto constasse em seu registro de nascimento com a justificativa “de que vinha sofrendo constrangimento por possuir nome diferente dos outros membros de sua família”. (LIMA E SÁ, 2016: 61). O terceiro é o caso de uma adoção pelo padrasto (adoção unilateral) envolvendo o pedido de destituição do poder familiar do pai biológico com base no fundamento da “convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social” (LIMA E SÁ, 2016: 62), diante da quase inexistência de contato do pai biológico com a filha, bem como a dos familiares paternos. No quarto caso apresentado, a enteada propôs ação de alimentos contra sua madrasta, viúva de seu pai. O quinto caso refere-se à concessão de guarda unilateral à madrasta, após a dissolução do casamento, mas, como destacam as autoras, é também “possível o exercício conjunto da guarda pelo genitor e seu cônjuge ou companheiro” [no caso por elas discutido] o padrasto era quem, de fato, exercia a paternidade da criança (LIMA E SÁ, 2016: 65), sendo o pai biológico distante.

Lima e Sá (2016) iniciam a discussão sobre os novos caminhos e desafios da adoção no Brasil fazendo referência à interpretação de Villela (1979) do texto bíblico sobre a sentença de Salomão, para destacarem, a partir daquela interpretação, “que a essência da verdadeira paternidade, em qualquer situação, é o cuidado e o afeto. Neste sentido, mesmo os pais biológicos precisam adotar seus filhos para que não sejam meros reprodutores, mas verdadeiramente, país." (LIMA E SÁ, 2016: 69). Essa interpretação indica, como o próprio título do texto referido, uma definição desbiologizada da paternidade. Ainda de acordo com as autoras, a Constituição Federal de 1988 promoveu a igualdade de todos os filhos, alterando o modelo de adoção no Brasil, que foi também disciplinado por normas presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, no Código Civil de 2002 e, em especial, na Lei Nacional de Adoção de 2009. A finalidade da adoção passa a ser a inclusão de crianças e adolescentes sem lar numa família, garantindo, dessa forma, o direito à convivência familiar, independente do arranjo familiar dos pretendentes à adoção. Em 2011, o STF reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo como entidade familiar. Com base nesse fundamento e em outros, em 2015, conforme informam as autoras, “o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito a adoção por casal homoafetivo, sem restrições quanto à idade ou ao sexo do adotando” (LIMA E SÁ, 2016: 72), restrições que foram impostas pela Vara da Infância e Juventude de Curitiba em 2005, quando o casal se habilitou para a adoção.

A dinâmica das relações sociais e o reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva, e não apenas da biológica, produz situações diversas que demandam uma resposta dos tribunais. Lima e Sá (2016) relataram quatro casos decididos pelo Superior Tribunal de Justiça que ilustram esse fato. No primeiro, foi concedida adoção unilateral para a companheira da mãe biológica, que teve uma menina por meio de inseminação artificial com doador desconhecido. A ministra relatora do caso considerou a “irrelevância da orientação sexual dos pais adotantes frente ao numeroso contingente de crianças que precisam de um lar”. (LIMA E SÁ, 2016: 74) e também “as reais vantagens para o adotando”. (LIMA E SÁ, 2016: 73). A decisão do segundo caso, fundamentada no princípio do melhor interesse da criança, flexibilizou a ordem de preferência do cadastro de adotantes, uma vez que “a criança esteve sob a guarda dos postulantes e com eles construiu um forte vínculo afetividade”. (LIMA E SÁ, 2016: 74). No terceiro caso, o relator, baseado nos princípios de proteção integral e da garantia do melhor interesse da criança, concedeu, excepcionalmente, que os avós adotassem o neto (a adoção de descendentes por ascendentes não é permitida no ECA) tendo em vista “as peculiaridades do caso” (LIMA E SÁ, 2016: 74) que não se enquadrava nos riscos que a proibição de adoção por ascendentes tenta prevenir. No quarto caso, mesmo se tratando de adoção de adulto, foi aplicado o ECA que rege, em algumas situações, a adoção de maiores de 18 anos. No caso, “vínculos afetivos entre o adotante e o adotando começaram a ser formar quando este ainda não havia atingido a maioridade, época em que se deu o abandono pelo pai biológico”. (LIMA E SÁ, 2016: 74). O relator, no entanto, dispensou a obrigatoriedade do “consentimento dos pais biológicos ou do representante legal do adotando [por ser] o adotando pessoa plenamente capaz e, por isso mesmo, não mais sujeito ao poder familiar a alteração no seu estado de filiação não mais dependia de seu pai biológico.” (LIMA E SÁ, 2016: 75).

No próximo item apresentaremos os desafios enfrentados pelos autores dos relatos em seus processos de tornar-se mãe e pai por adoção, destacando as particularidades desses processos.

4. Tornando-se mãe e pai por adoção.

Foram entrevistados um pai e duas mães. A mãe entrevistada 1 (47 anos) adotou, há quatro anos, duas meninas, na época, uma com 5 anos e outra com 2 anos e com 23 anos de casada. O casal resolveu adotar depois de várias tentativas de gravidez, apesar da resistência inicial do marido que por fim concordou e decidiu-se por uma menina. A entrevistada revelou que desde criança tinha vontade de “ter um filho adotivo e um biológico”. Ela fez questão de ressaltar que “não ia guardar esse assunto em segredo”, revelando, com esse comentário, a existência de um tabu social em torno da adoção, e avaliou que “foi muito bom ter feito isso porque a espera foi compartilhada” com amigos e familiares. A mãe entrevistada 2 adotou uma menina recém-nascida há 22 anos, em 1998, quando o filho do casal estava com sete anos. Antes da decisão, ela engravidou e no quarto mês de gestação perdeu o bebê “e foi um desapontamento geral”. A entrevistada revelou que o marido, desde a época do namoro, dizia querer adotar uma criança e ela “não via com bons olhos”, mas também não se opôs. Interrompida a gravidez, o casal e o filho decidiram de forma consensual adotar, atendendo à vontade anterior do marido, ao desejo do filho de ter irmãos e considerando o aborto acontecido. Decidiram por uma menina recém-nascida: “eu tinha perdido uma menina”.

Com a decisão tomada, os casais iniciaram o processo formal de adoção. A mãe 1 relatou que procuraram o Fórum da cidade em que moravam e sentiram estranhamento quando tiveram que responder sobre o perfil da criança que queriam pois “é como você tivesse escolhendo alguma coisa”. Ressaltou que a adoção “tem suas peculiaridades” e a escolha do perfil é uma delas: “você pode escolher o perfil que cabe [...] na sua vida de casal”. O perfil escolhido foi o de uma menina de zero a dois anos de idade, que foi alterado para duas meninas de zero a cinco após um ano participando do grupo de preparação à adoção do Fórum. Nessas reuniões, além de conhecerem “outros pais por adoção”, ficaram sabendo que nos abrigos do município havia “grupos de irmãos com mais idade” e como tinham a intenção de ter dois ou mais filhos, resolveram modificar o perfil. A mãe 2 informou que fizeram inscrição na Vara da Infância e Juventude em dois municípios. Em 1998 isso era permitido, pois, ainda, “não era cadastro único como agora”. Depois de se reunirem com a assistente social e a psicóloga, contrataram um advogado para dar sequência ao processo de adoção.

Os entrevistados revelaram a existência de muita ansiedade no período de espera da criança, que poderia chegar a qualquer momento, sem uma previsão definida, diferente do que acontece em uma gravidez biológica. A mãe 1 descreveu as reações que teve quando recebeu a ligação, em 2016, “tão esperada do Fórum”, dessa forma: “achei que haviam se enganado”, “minha cabeça girou, eu achei que ia desmaiar”, “foi um susto”. A mãe 2 considerou que tiveram “sorte”, pois em menos de um ano já estavam com a criança. Enquanto esperavam, compravam roupas de criança “como se fosse uma gestação que surge da barriga da gente mesmo”. Recebeu a notícia de uma amiga, quando chegava de uma viagem, “que tinha uma criança lá disponível [...] só aguardando para ser adotada”. Ligou para a creche e disse: “cuida, prepara aí que a gente já tá indo buscar”. Por essa descrição, observamos que o processo era bem menos formal do que revelado pelos outros entrevistados. Também nesse relato, a criança chega sem data marcada o que obriga o casal correr atrás da documentação:

Houve uma correria danada pra arrumar a documentação, né, que até aquele momento não estava pronta. Geralmente essa documentação já é entregue com antecedência, mas nós não tivemos esse tempo, e aí foi aquela correria, e a gente tinha uma semana para organizar tudo, porque o quanto antes tirar da instituição, melhor, né, a coordenadora sempre ligava para gente falando dessa importância [...]

O primeiro contato com a criança suscita também vários sentimentos ambíguos. A mãe 1, que adotou duas meninas com dois e cinco anos, disse que “foi assustador”, de “muito medo delas não gostarem da gente” e que não sentiu “aquela certeza que muitos pais relatam, sabe, quando viu a criança sabia que era o filho dela, eu não sabia de nada disso”. A primeira vez que o casal entrou em um abrigo foi nesse dia de visita às crianças, sendo essa experiência avaliada como “um momento de muito medo e de muita ansiedade”: “nós nos deparamos com todas aquelas crianças chegando em cima da gente”, reconhecendo que o apoio da família foi “crucial para nos dar aquele empurrãozinho”, para enfrentar esses sentimentos de insegurança. A mãe 2 relatou que viajou para buscar a criança na creche e nesse dia mesmo foi concedida a guarda provisória em uma audiência judicial e no momento em que viu o bebê no berço e o pegou no colo sentiu uma emoção assim descrita: “não tem palavras para explicar [...] eu posso dizer que é a mesma de quando eu dei a luz a meu filho, não tem diferença [...]. São formas distintas como essas crianças chegam até a gente, mas a emoção é a mesma”.

A convivência diária dessa recém-nascida na casa dos pais adotivos iniciou-se imediatamente, diferente do processo das outras duas meninas adotadas com mais idade, que passaram por um processo de aproximação do casal interessado, que segundo a mãe 1, foi muito intenso pelo fato do abrigo ser localizado numa rua onde passava todos os dias e por ter iniciado as visitas diárias às meninas, que em seguida, começaram a frequentar a casa do casal nos finais de semana. Mesmo tendo sido orientado que o casal ficasse sozinho com as meninas, na primeira visita, apresentando a casa e os cachorros, a família da entrevistada, que conforme disse, é “muito parceira”, não respeitou essa orientação. Ao voltar ao abrigo, a mais velha considerou que já tinha uma família grande, relato esse que fez a mãe 1 avaliar uma outra especificidade da situação: “isso é fantástico da adoção de crianças com mais idade porque as crianças nos adotam primeiro”. Esse fato leva a uma outra vantagem, conforme se expressou a entrevistada, que é ser chamada de mãe, apesar da estranheza desse tratamento “porque eu não era mãe de ninguém e de repente eu era mãe de duas”. A aproximação da criança mais nova foi mais difícil. Estando há mais de um ano no abrigo, ela “chorava quando eu chegava e corria para o colo das cuidadoras [...] eu ficava morrendo de ciúmes e medo”. Com o tempo de convivência essas dificuldades iniciais foram superadas e o problema passou a ser a devolução delas ao abrigo no domingo, momento em que as crianças “começaram a ter aqueles episódios de febre”. Depois de dois meses de aproximação, o casal recebeu “o termo de guarda para fins de adoção” e as crianças se mudaram para a casa dos pais adotantes. Várias dificuldades e inseguranças surgiram dessa convivência diária, desse processo de constituição das relações familiares: “foi um período de muita alegria, mas foi um período muito conturbado”. A mãe 1 destaca a dificuldade de adaptação à nova rotina, mesmo tendo conseguido uma licença maternidade emendada com férias, ficando sete meses em casa: “eu achava que era difícil, mas eu não imaginava que era tão! Foi um período muito complicado”. A dificuldade com as crianças passava também pela dependência delas, a mais velha “não conseguia fazer praticamente nada sozinha, nem vestir roupa, tomar banho sozinha, ela queria comida na boca dela”, como se quisesse viver fases anteriores do desenvolvimento, além de não querer ir para a escola, com ciúme da irmã que ficaria em casa, e de mentir: “a gente teve muito problema com mentiras, muito problema mesmo”. A mais nova “usava fraldas, chupava bicos, não conseguia dormir sozinha na cama dela [...] e chorava muito, fazia pirraças homéricas”. A mãe 1 lembrou-se de uma das pirraças que a deixou “assustadíssima” por sentir que não estava dando conta de ser mãe, a ponto de avaliar esse momento dessa forma: “essa coisa que todo mundo fala que foi maravilhoso, melhor época da minha vida, para mim não é”. Revelou que teve vontade de “sair de cena”, que não conseguia dormir direito, acordava “assustada, preocupada com elas [...] se elas estavam no quarto, se elas não tinham sumido”, trabalhava o dia inteiro sem condições de descansar para manter tudo arrumado e cuidar das meninas, ficava nervosa. O marido não podia compartilhar dessas tarefas porque trabalhava o dia inteiro, chegando à casa às 19 horas. A mãe 1 criticou a ausência de acompanhamento por parte da Vara da Infância e Juventude nesse momento difícil de adaptação, ouvindo, inclusive, de outras mães adotivas da mesma época que pensavam em devolução de um dos filhos por não estarem “aguentando duas crianças”. Em busca de ajuda, o casal começou a participar das reuniões de um “grupo de apoio à adoção” em outro município e a mãe 1 percebeu “que as mães lá não estavam surtadas”, e compreendeu a importância desses encontros e juntamente com outro casal, criaram um grupo de apoio na própria cidade, pois “ter esse espaço de escuta fez toda a diferença para que a gente pudesse passar por esse momento de uma forma mais leve, porque o que nós percebemos que aquilo que nós estávamos vivendo, passando, era o que também as outras famílias estavam”. Na avaliação da mãe 1, o vínculo com as meninas foi se tornando mais forte, comentando que “o jeito delas é o jeito da gente; a gente consegue perceber características da minha mãe, da minha avó, que elas nem conheceram, minhas [...] como é que elas ficam tão parecidas com gente, né? É muito legal isso”. Essa fala revela que o processo de tornar-se mãe implicou a incorporação de características da família reconstituída pela adoção de duas crianças (“elas se adaptaram muito à nossa família”) e a percepção de não ser possível “imaginar como é que seria nossa vida sem elas”, que “são meninas amorosas, são lindas, lindas mesmo”.

A mãe 2 iniciou o seu relato da relação com a filha que veio por adoção dizendo que no registro de nascimento original não constava o nome do pai, da mesma forma ocorria com a certidão de nascimento da mãe biológica. O casal escolheu outro nome para a criança e durante a viagem de volta da creche para casa confirmaram que a recém-nascida com duas semanas de vida havia sofrido maus-tratos, pois perceberam que “ela não reagia ao toque; você tocava e ela se assustava”. A criança tinha sido levada para a creche com 15 dias de nascida por um agente da Pastoral da Criança, por estar passando fome e por maus tratos, conforme informações que receberam, e oito dias depois houve a audiência do juiz com a mãe, “uma pessoa com deficiência mental”, acompanhada da avó, “que não tinham condições mesmo de ficar com a criança”, sendo colocada à disposição para adoção.

De início, a criança chorava muito e “era difícil conseguir acalmá-la”, teve anemia e intolerância à lactose, mas depois desenvolveu-se com saúde e “sempre foi muito comunicativa [se adaptando] bem [...] com pessoas de diferentes faixas etárias”, segundo informou a mãe 2. Por falta de informações, inclusive do Fórum da cidade onde morava, não conseguiu a licença maternidade e esse fato gerou uma grande frustração “porque eu tinha um desejo [...] eu já tinha olhado a clínica [...] para estimular, como eu sou muito boa de leite, o meu sonho era poder amamentá-la e é isso não foi possível”. A ausência de reconhecimento social da filiação por adoção gerou a dificuldade de incluir a filha no convênio médico que, inicialmente, exigia o registro definitivo com os nomes dos pais adotivos e esse documento ainda não havia sido emitido e mesmo depois que a sentença de adoção foi assinada, o convênio resistiu alegando o tempo de carência e exigindo cópia do processo de adoção, obrigando a contratação de um advogado pelo casal que foi informado não ser possível fornecer a cópia do processo por este tramitar em segredo de justiça. A mãe 2 concluiu esse relato dizendo que “no fim, deu tudo certo, mas um pouco de canseira me deu”. Outra dificuldade, entendida como constrangimento pela mãe 2, relacionada à ausência do registro definitivo, situação que durou seis meses, acontecia no momento de levar a filha ao médico ou para vacinar que, em sua vez, era chamada pelo nome do registro original e não pelo nome “que a gente tinha escolhido e no cartão dela de vacina estava o nome da mãe que deu à luz, isso era meio assim ... desagradável”.

A respeito do acolhimento da criança, a mãe 2 relatou que ela foi “muito bem aceita” pelas duas famílias, pelos amigos e vizinhos e concluiu enfaticamente: “então ela foi muito, mas muito bem acolhida, muito muito mesmo”. O filho do casal se alegrou com a chegada da irmã, não teve ciúmes e disse ser ela “um presente divino para nós”, acolhendo-a “de uma forma encantadora”. A dificuldade de aceitação da filiação por adoção se manifestou no ambiente escolar, pois a filha “sempre dizia que ela era diferente, era totalmente diferente [...] às vezes ela falava que ela era a última a ser escolhida para alguma coisa, na hora de dançar quadrilha a criança não queria dançar com ela”. A mãe 2 disse que na época não conseguia entender essa reclamação da filha, o que significava “esse ser diferente” e somente há pouco tempo compreendeu que

realmente a criança que é adotada é diferente, por mais que [...] para gente né, que adota, que faz um papel de pai e mãe, não seja, mas aos olhos dos outros é sim, e tem pessoas que têm até preconceito, igual crianças que os pais não queriam que ela brincasse, que ficasse perto, porque ela era adotada, então ela carrega né isso, não tem como mudar, é uma coisa que ela carrega e só quem sente mesmo é que pode dizer como isso dói.

Outra percepção difundida socialmente sobre crianças adotadas foi também relatada pela mãe 2 que era indagada por várias pessoas se a sua filha já havia começado a dar trabalho uma vez que, comentou, acredita-se que “todo filho adotado dá trabalho [...] até parece que só o adotado”, discordando assim, desta percepção social.

Todas essas situações de uma espécie de negação social ou de desvalorização da filiação por adoção obrigam os pais que adotaram a entrar num embate constante para afirmar a maternidade e a paternidade e para defender que seus filhos são tão legítimos quanto os de filiação biológica, consanguínea, e que merecem ser tratados com todo o respeito, sem nenhuma diferenciação. No entanto, os entrevistados evidenciaram uma questão peculiar da relação de adoção entre pais e filhos que é a existência de uma família anterior da qual a criança veio e de informações e sentimentos em relação a essa família de origem que devem ser elaborados, de uma forma ou de outra.

Durante o período de regularização judicial da situação de adoção, a mãe 1 disse que ela e o marido sentiam “medo da família biológica”, medo também compartilhado pelas meninas. O casal teve que esperar que o processo de destituição familiar fosse concluído, para iniciar o de adoção, sendo que o pai de uma das meninas entrou com o pedido de guarda, gerando muita ansiedade e medo. Medo de perder as meninas e, nesse sentido, a família de origem representava uma ameaça, reforçada pela informação que o casal detinha, de que os pais biológicos moravam no mesmo município e que “não eram pessoas de boa índole”. A mãe das meninas era moradora de rua, dependente química, assim como o pai de uma delas, sendo que o pai da outra estava preso em outra cidade. A mãe 1, com medo de encontrar com eles na rua quando estava com as filhas, evitava praças, mercado, lugares onde os moradores de rua costumavam ficar, além de estar sempre preocupada, conforme disse, “olhando para trás, vendo se não tinha alguém. Era uma situação bem difícil”. Segundo esta entrevistada, o final do processo gerou tranquilidade e segurança de seguir em frente: “foi maravilhoso, foi uma coisa assim, sem palavras, de ter conseguido terminar o processo e a gente vê os documentos das meninas com os nossos nomes na certidão de nascimento”. A consequência da segurança jurídica alcançada foi assim descrita: “então eu não preciso mais ter medo de ser abordada na rua, porque eu fiz tudo legal, meu processo tá ótimo, correu tudo dentro do que tinha que ser feito, dentro da Justiça, então não preciso mais ter medo de nada, né”, “a gente não tem mais esse medo da família biológica”. O medo de ficar sem as filhas não existe mais, no entanto, há o medo do encontro delas com os pais anteriores. A mãe 1 enfatizou que conversava com as filhas sobre o processo de adoção em andamento, não escondendo “nada delas”, o que permitia que, em alguns momentos, fizessem perguntas desconcertantes, que exigiam um tempo para serem respondidas, por causa da preocupação “com os sentimentos delas”. A forma como a entrevistada justificou o medo do encontro mostra a vontade de proteger as meninas do sofrimento e da decepção que ela considera provável:

Eu fico preocupada desse encontro, eu não queria que as meninas vissem a maneira como eles estão né, porque eles continuam ainda, eles são usuários ainda, então assim, a aparência deles piora mais a cada dia, então eu não queria que as meninas vissem eles daquele jeito, sabe, não queria mesmo, eu não queria que a mãe também fosse vista pelas meninas daquela forma [...] Eu gostaria de poder arrumar tudo né, ser aquele encontro, né... mas enfim, isso não é possível, então é uma coisa que eu sofro um pouco com relação a isso, porque eu tenho medo das meninas se decepcionarem, ficarem tristes. Elas são muito vaidosas, gostam muito de ter uma aparência né, estarem sempre muito arrumadinhas... então acho que elas iriam estranhar né, muito, ver aquelas pessoas daquele jeito, sabe, então é isso.

A mãe 1 mudou a concepção que tinha da família de origem das meninas quando se encontrou, fortuitamente, com um dos pais e a mãe biológica numa das ruas da cidade. Apesar de não conhecê-los, ela suspeitou que pudessem ser eles e os seguiu para certificar-se. Ao passar perto, a mulher a segurou pelo braço e pediu um prato de comida. Nesse momento, a entrevistada reconheceu neles traços das filhas e estranhou esse fato. Na conversa que se iniciou logo em seguida, ficou sabendo que a mãe moradora de rua, “que estava muito acabada”, tinha 24 anos, teve duas filhas que foram adotadas. Percebendo a emoção da entrevistada, o morador de rua a reconheceu de uma entrevista à imprensa que ela e o marido deram sobre adoção, e quiseram saber se era ela mesma a mãe adotiva. Ela confirmou e eles se abraçaram chorando. A mãe 1 a agradeceu por ela ter “permitido que as meninas nascessem”, possibilitando, com isso, que ela, a entrevistada, se tornasse mãe. A mãe biológica quis saber se as meninas estavam bem, disse que “ficou feliz de ver que as meninas pareciam com [a entrevistada]” e quis saber se poderia vê-las, ao que a entrevistada respondeu, justificando a não permissão: “pedi para que eles esperassem um pouco, que elas eram muito pequenas, isso poderia gerar muita confusão na cabeça delas, a gente ainda estava no período de adaptação, e que eles aguardassem”. Segundo o relato, eles prometeram também que nunca a incomodaria, o que de fato aconteceu. O encontro com os pais de origem significou para a entrevistada uma efetivação de fato da adoção e de pacificação com essa família. A vivência de um ritual de transferência das crianças, de transferência da maternidade, para além do processo judicial, alterou o sentimento de medo da família biológica para o sentimento de gratidão e respeito, conforme relatado a seguir:

eu percebo que naquela ocasião, depois dessa conversa que a gente teve, ela me entregou as meninas sabe, ela falou para mim ‘olha, você é a mãe das meninas, e eu não vou te incomodar, eu não vou atrapalhar, eu quero que você seja muito feliz, eu tô vendo que as meninas estão bem cuidadas, eu tô muito satisfeita com isso, era uma coisa que eu me preocupava todos os dias, eu pedi a Deus para me mostrar com quem as meninas estavam, e ele me mostrou, e eu agora tô feliz, eu tô satisfeita’. Então eu sinto que naquele momento ali na rua, foi ali na rua que a nossa adoção de fato aconteceu, sabe? E isso me fez repensar inclusive na maneira como que a gente vê essas mulheres, né, muitas vezes a gente acha que elas são pessoas ruins, que não amaram, que não se importaram com os filhos, e até pode ser que em algumas situações seja assim, mas a gente não pode não generalizar. O que eu vi ali foi uma mulher, assim, sem estrutura emocional, assim, nenhuma, nenhuma, nem emocional, física e financeira, claro, uma pessoa completamente desamparada de tudo, e que ela fez o que ela deu conta de fazer, fez toda a diferença na minha vida, na vida da minha família, porque se não fosse por ela as meninas não teriam nascido, elas não estariam conosco, né, a gente não teria essa possibilidade de ter essa família, então isso me faz assim, repensar muito em como a gente vê a família biológica, sabe? E da importância que a gente dá à família biológica.

Após esse primeiro encontro, a entrevistada disse ter visto os pais algumas vezes na rua, mas que eles não se aproximaram e nunca quiseram ver as meninas. Ela ficou sabendo que a mãe teve outro filho que ficou aos cuidados da irmã e mais um que ela não tinha certeza se já havia nascido. Comentou mais uma vez que a mãe era “usuária de droga, HIV positivo e se perguntou: “por que o sistema permite que uma pessoa nessas condições ainda continue gerando? [...] porque é o direito dela e o direito da criança por nascer? Porque ela tem uma forte possibilidade de ter algum filho com algum problema e aí como é que vai ser?”.

Ainda elaborando o significado do primeiro encontro com os pais genitores, a mãe 1 disse que a família biológica é um tabu para muitos pais adotantes, que até passam para as crianças a ideia de “família ruim, família que não cuidava de você” e que o encontro foi importante para que ela soubesse lidar com essa questão com as filhas, demostrando respeito e gratidão: “a gente faz oração para que ela [a mãe genitora] esteja bem”. A importância do reconhecimento pelas filhas da “pessoa que é responsável pelo nascimento” delas é destacado no depoimento abaixo, no qual a mãe adotiva se sente realizada quando a filha mais velha revela “empatia e preocupação” com a mãe biológica durante a pandemia do novo coronavírus:

nessa pandemia, eu percebi que a [filha mais velha] toda vez que falava sobre morador de rua ela ficava preocupada, e aí numa oportunidade que nós estávamos sozinhas nós conversamos e ela me falou que realmente estava preocupada ‘porque a biológica não tinha higiene né, mãe’, e aí poderia ter uma possibilidade dela pegar o covid [...] eu perguntei para ela’; ‘você quer que eu procure informações para você? Para saber como é que ela tá?’ Ela falou assim ‘ai mamãe, eu quero’. E [...] me contou que por incrível que pareça nem um morador de rua tinha contraído covid, que estavam todos bem, sendo monitorados, e que ela tava grávida novamente, e que tava tudo bem. E aí eu dei a notícia [...] falei para ela que ela podia ficar tranquila, que ela tava tendo lugar para dormir, tomar banho, que tava tudo bem, e aí ela ficou sossegada. Eu, assim, eu fiquei muito feliz de perceber, de entender que ... no início ela tinha uma mágoa dela, sabe, e ela conseguiu entender que ela não precisava ter essa mágoa, e que ela tava bem e que nós estávamos bem, e que que foi escolha dela né, ou uma escolha, ou a vida levou ela a tomar essas decisões, então que a gente tava seguindo a nossa vida. Ela então não me perguntou mais nada, mas eu fiquei feliz de ver que ela demonstrou também empatia e preocupação por essa pessoa que é a responsável pelo nascimento dela. Eu fiquei satisfeita, eu me senti assim, sabe, no dever cumprido, que a [filha] entendeu, né: existe, ela tem seu papel e eu nunca vou substituir isso, né, então ela é a mãe biológica e a [filha] entende isso perfeitamente e a [a outra filha] também tá começando no processo de entender, já que até então ela não reconhecia a existência dessa outra família, mas agora já com seis anos ela já consegue fazer isso. Então eu acho que esse encontro para mim foi uma coisa muito necessária, foi importante ter passado por isso.

É significativo também no depoimento acima, a fala da entrevistada quando admite a existência de um lugar para a mãe biológica que ela nunca poderá ocupar e esse reconhecimento ajuda na cicatrização das feridas que surgem do processo judicial de adoção em relação à família anterior da criança.

A mãe 2 também enfatizou que nunca escondeu da filha que ela veio por adoção e “desde que ela começou a entender, ela sabia que tinha outra mãe e outro pai”. O casal a levava à creche para conhecer onde morava antes e dizer que aquelas pessoas que trabalhavam na creche tinham cuidado dela. Nesse tempo, enquanto o processo de adoção corria, a advogada descobriu uma irmã de cinco anos que morava com a mãe e a avó, que perderam a guarda da criança, que foi encaminhada para a creche, quando a avó, acamada, passou a ser cuidada pela neta. O casal não sabia o que fazer e esconderam esse fato da filha, sem interromper as visitas à creche. Eles pensavam: “como que vai ser, como que a gente vai falar?”. Essa irmã ficou três anos na creche e foi adotada com oito anos. Posteriormente, surgiu outra irmã, quase três anos mais nova que a filha, que foi adotada recém-nascida. Foi estabelecido um compromisso entre as três famílias adotivas de proporcionar a convivência das irmãs.

A filha da mãe 2 sempre perguntava pela mãe genitora e, por isso, o casal resolveu procurá-la uma vez que eles não receberam nenhuma informação de localização. Quando a localizaram, o pai adotivo se encontrou com a família, mãe e avó, e acertou de levar a filha para conhecê-las. O medo da família de origem também era sentido pela mãe 2 que relatou o ano anterior a esse encontro:

eu passei assim, um ano com urticária, eu tinha pavor, só de pensar na ideia, porque na minha cabeça a gente ia chegar lá, e eles iam [...] pedir para ela ficar, falar que tinha saudade e tudo, e eu morria de medo... nossa. Eu tinha pavor só de imaginar que a gente pudesse perdê-la, né se ela não quiser voltar com a gente, que eles fizessem pressão para ficar lá, isso foi muito, mas muito muito sofrido, e como a gente julga muito, eu até pensava assim, a irmã dela está lá na creche né, ficou três anos na creche e a mãe nunca foi visitar, então essa mãe é muito fria, e não sei o que... e ela, assim, criava uma fantasia dessa mãe como a mais amorosa possível, isso me deixava mais apavorada, porque eu pensava: imagina chegar lá e essa mulher for fria com essa menina, que que a gente vai fazer? Como que a gente vai lidar com essa situação?

O encontro se deu quando a filha estava com sete anos de idade. A mãe 2 descreve a cena que presenciou como “a coisa mais linda” que ela pode ver na vida. Mãe genitora e filha se abraçaram com muito carinho e a mãe dizia: “sabia que minha filha não tinha morrido, porque eu, eu sonhava com ela, eu sonhei com ela”. Ao entrarem no quarto, a avó agradeceu a Deus pela iniciativa do casal de levar a neta até a casa delas “porque é muito triste quando as crianças vão e a gente não sabe onde, com quem está, onde está, como está, né, como têm muitos casos aqui”. O diálogo que se deu entre a avó acamada, a mãe genitora e a mãe adotiva, logo a seguir, é muito significativo das relações de sentido que se estabelecem numa adoção judicial, da questão da família de origem que se interpõe no processo de tornar-se mãe de crianças vindas por adoção:

[...] e em seguida né, a mãe virou, a mãe que deu à luz a nossa filha virou, apontou para ela e falou ‘eu sou sua mãe’. E aí a avó apontou para mim e disse ‘não, mãe é quem cria, ela é a mãe’, apontando para mim né? Naquele dia eu me senti assim ... a tal, né? Só depois eu fui entender que eu estava entrando num grande emaranhamento ali, porque eu estava ocupando um papel que não era meu, mas eu me senti assim né, a mãe legítima dela, aquele momento foi um momento assim, de glória para mim.

Nesse encontro, houve uma disputa em torno da definição de mãe: para a avó é “quem cria” e para a mãe é quem gera e a mãe adotiva se sentiu vitoriosa como “a mãe legítima”. Vários anos depois, a filha, já no final da adolescência, optou por morar com o pai, o casal havia se separado já havia um tempo, o que levou a mãe a participar de um trabalho terapêutico por não querer aceitar a decisão da filha. Nesse trabalho, descobriu que com a adoção tentou substituir a criança que ela havia perdido, “preencher um vazio” e não, como é justificado, para cuidar de uma criança que os pais biológicos não conseguiram:

e não é assim que as coisas funcionam [...] a minha expectativa com relação a ela é a expectativa que eu tinha com a filha que eu tinha gerado e, aí, as coisas não batiam porque eu não era a mãe dela e ela não era a minha filha [...] eu sei que ela não é minha filha, mesmo a gente cuidando dela, chama de mãe e pai, mas a mãe dela é quem deu à luz a ela [...] o bem maior que ela tem, que é a vida, quem deu foi a mãe, a mãe [nome da mãe], esse mérito é dela, e ela sabe disso.

Esta descoberta, ou seja, o reconhecimento e a gratidão pela mãe genitora que “abriu mão [...] para que a gente ficasse com ela”, mudou a relação da mãe por adoção com a filha dali em diante:

a minha relação com ela, minha filha, ela não era tranquila, ela era uma relação de desconfiança, era pesada, a gente batia de frente né, tinha algo tenso, tinha alguma coisa no ar que eu não consegui entender [...] era desafiante o nosso relacionamento, muito, mas muito, muito tenso mesmo, só depois [...] que eu pude entender isso.

nossa relação deslanchou, aí ficou leve, a gente tem confiança, porque agora eu sei quem ela é, a que sistema ela pertence, e ela sabe quem eu sou.

A mãe 2 fez questão de ressaltar que considerando tudo que viveram nessa experiência de adoção, ela avalia como “uma das melhores escolhas que nós fizemos na vida e em nenhum momento passou pela cabeça da gente um sentimentozinho de arrependimento”. Afirma que a filha trouxe “muita vida, muita alegria” para eles.

O pai adotante anuncia que a decisão pela adoção foi tomada em função da incapacidade do casal de engravidar e pelo grande desejo seu de ser pai e de sua esposa de ser mãe. Chegaram a investigar a possibilidade de uma gravidez assistida, mas no primeiro contato com o processo, perceberam que não era um caminho que lhes agradavam, por isso, decidiram pela adoção em comum acordo.

O casal iniciou o processo de adoção e o pai revela que nunca imaginou que seria tão “frio e burocrático”, ao contrário, pensou que seria recebido com aplausos pela decisão tomada e que mesmo entendendo os motivos, foi muito estranho iniciar a adoção de um/a filho/a tendo que providenciar junto aos órgãos de justiça, um atestado de antecedentes criminais. Ressalta também a existência de um curso de preparação que foi muito importante, pois, nele algumas questões sobre “a romantização do processo como o de achar que a gente está fazendo uma boa ação” foram desmistificadas. Ele ainda descreve que no momento de indicar o perfil da criança se sentiu bastante incomodado, pois foi uma situação em que se viu confrontado com “alguns preconceitos pessoais” e também pela vivência inusitada de ter que escolher características e perfil de um filho, situação que não se vivencia no processo natural de ser pai e mãe. Mas, sendo uma necessidade do processo, eles indicaram a faixa etária de zero a cinco anos (início do processo de escolarização) e sem deficiência mental ou outra, justificando que “naquele momento uma criança com deficiência era demais para nós”.

O pai adotante também descreve que o tempo de espera foi angustiante e que depois de um ano, mesmo não tendo ainda o nome do casal aprovado no cadastro nacional de adoção, receberam um telefonema informando de que havia uma “duplinha” - termo usado por quem ligou e pelo entrevistado na sequência do relato - de meninos (um com dois e o outro com cinco anos de idade), aguardando para serem adotados e se era de interesse deles. No relato o entrevistado descreve a alegria e ao mesmo tempo, a surpresa que foi, pois, eles estavam se preparando para adotar um/a filho/a e não dois. Mas que refletiram, conversaram e decidiram aceitar a proposta. Depois desse telefonema o casal teve que esperar mais três meses até o segundo telefonema para entrar na fase de conhecer e conviver com as crianças. Nesse momento estavam casados há treze anos, oito dos quais tentando viabilizar o desejo de ser pai e mãe.

O pai descreve que ao chegar ao abrigo, foi recebido pela assistente social e pelo garoto mais novo (dois anos) da “duplinha” e que foi um momento indescritível. Destaca ainda que “eu desconheço o que é ser pai na perspectiva biológica, mas que na perspectiva da adoção foi um momento mágico”.

Segundo o pai, quando iniciou o processo de visitas mais constantes o casal teve conhecimento da história de vida dos garotos e descobriram que a “duplinha” era na verdade um quarteto, pois, eles tinham duas irmãs mais velhas (uma de nove anos e a outra de doze anos) também morando em abrigo, porém em outra localidade. Todos filhos da mesma mãe e do mesmo pai, com exceção da criança com mais idade, filha de outro pai. Ele destaca que apesar do cuidado dos abrigos em construir um ritual humanizado de separação dos irmãos, o processo de destituição familiar foi muito doloroso e complicado o que deixou feridas muito graves. Ele destaca que esta parte do processo foi muito difícil para ele e a esposa, pois:

...a gente cozinhou esta informação por algum tempo [...] buscamos os meninos e iniciamos o processo que é de fazer parte, construção progressiva da família, que é a pior delas. A gente buscava os meninos no final de semana na sexta-feira às seis horas da tarde e tínhamos que literalmente , essa que é a palavra, devolver às 18h de domingo. Foi muito difícil. Durante muito tempo o (garoto de cinco anos) me perguntava por que eu tinha que abandonar ele no abrigo todo domingo às seis horas da tarde. Então em todo momento eu tinha que transformar o Juiz em um vilão [...], mas mesmo assim o sentimento dele (garoto) era ... de que novamente ele estava sendo deixado. Então, essa situação durou duas vezes só. Na segunda vez que nós deixamos lá, eu falei com a (minha esposa), nós, da próxima vez, vamos entrar com o pedido de guarda, eu não quero mais voltar com esses meninos para o abrigo não. [...] Fomos um pouco julgados num primeiro momento como se a gente tivesse tomando uma decisão meio precipitada [...] a gente conheceu eles, acho que foi no dia 06 de julho e no final de julho a gente já estava morando juntos na mesma casa. (relato, pai adotante, 2020)

Outros aspectos corroboraram para que o momento inicial de acolhimento e convivência com os meninos se tornasse um momento “muito difícil”. O casal havia decidido inicialmente que iria acolher as irmãs mais velhas dos meninos nos fins de semana, para que o vínculo e a convivência da família de irmãos não fossem totalmente rompidos. Mas no decorrer do processo eles perceberam que esse movimento era pouco e resolveram, em setembro, que iriam “assumir essa família” e pediram a guarda provisória das meninas cinco meses depois de terem iniciado a convivência com os irmãos. E a adoção da família fez com que o casal adotante fizesse parte do processo de destituição familiar, com a participação da advogada em várias audiências, conforme relato abaixo:

[...] e aí foi uma luta, foi uma luta [...]. Depois deste percurso inicial, deste primeiro ano, a gente vive um processo de seis anos, seis anos, até que teve a guarda definitiva. Não foi fácil, é um processo muito ansioso. A gente é um casal, a gente não sabe exatamente, graças à Deus não sabe. Desde o início a gente precisou se juntar ao Ministério Público e a gente se tornou, e aí é a pior parte, a gente se torna parte do processo de destituição familiar. Nosso processo de adoção ficou parado por quatro anos, até que saísse de fato o processo de destituição familiar. E esse é um dilema muito complexo, porque qualquer ser humano que tenha a dignidade de um lado, ele tem também uma aliança com esta família, não é fácil. Mas ao mesmo tempo a gente entende que é um processo que precisava ser rompido [...]. Não foi fácil [...] de lidar com o sentimento de participar disso. Terminado esse processo, a gente inicia o processo de adoção. A gente acha que vai ser rapidinho, mas vão mais dois anos [...]. Nesse percurso toda assistência social muda... A última entrevista nossa foi terrível, porque a assistente social não tinha a menor ideia quem era nossa família, quem eram nossas crianças, quem eram aqueles filhos que já eram nossos, na nossa cabeça. Respondemos perguntas das mais absurdas, mas ao mesmo tempo a gente compreende. Eu olho para tudo isso e, é demorado? É . É difícil? É. Mas eu acho que é necessário. [...], em nenhum momento nós questionamos a necessidade de que esse processo tenha realmente um amadurecimento institucional, amadurecimento jurídico e um amadurecimento familiar. Esse processo é muito bonito (relato, pai adotante, 2020).

Em relação aos aspectos relacionais durante e depois do processo formal de adoção, o pai relata que o processo não foi fácil para o casal e muito menos para as crianças, mas que a cada dia que passa ele percebe que tem sido muito gratificante. Ele exemplifica tal afirmação relatando uma viagem que a família realizou. Nela aconteceu uma conversa com as duas filhas onde afirmaram que deveriam se referir a eles como pai e mãe e não mais pelo nome, como até então acontecia. O pai entende esse momento como uma forma de reafirmar o lugar de pai e mãe, “é uma construção desse lugar”.

Na época eles entenderam de que por mais difícil que fosse para as crianças, era uma situação necessária, uma vez que toda situação social onde esse fato não era demarcado os sentimentos da adoção reacendiam. Para os meninos isso foi mais fácil do que para as meninas, mas agora isso acontece com mais tranquilidade para todos, apesar de não ser “fácil para elas até hoje”. A relação mais difícil com as filhas é explicada em função da história vivenciada na família anterior, “é o caso das minhas mais velhas, porque elas têm história. Os meus mais novos não têm história nenhuma”. A filha mais nova, por exemplo, não o abraça e o pai não atribui esse fato à “relação com o pai, mas ao lugar de homem”. É também revelado pelo pai que uma das filhas resistiu de forma mais intensa “a constituir esse lugar de mãe e pai”, não aceitando ser educada tentando fazer o contrário do que era ensinado pelo pai, ou “de tampar o ouvido e de me afirmar ‘você não é nada meu’”. Essa vivência de desafio da autoridade era atravessada de tensões, obrigando-o a “lidar com todo esse conjunto de questões”. As brigas eram constantes e “puxadas” e, “como todo pai mãe a gente viveu essa incompetência de ser mãe e de ser pai, de ser desafiado” e ter que “viver processos que muitas vezes a gente não sabia como fazer né?”. A competência ia sendo construída no processo de um casal sem filhos que se torna pai e mãe de quatro filhos “de uma hora para outra”. E, para o entrevistado, nesse contexto de conflito e de resistência, ocupar esse “lugar de pai foi o mais difícil”.

Outro aspecto que o pai relata é a diferenciação de filhos adotivos de filhos naturais, e que ele tenta superar não aceitando o qualitativo “adotivo”:

...é uma construção coletiva. É uma construção deste lugar. Rapidinho a gente vai se tornando parte do corpo um do outro. Então meus filhos são absolutamente parte de mim. Eu brinco com eles que a nossa constituição genética muda todo ano. Eu digo para eles que biologicamente eles já são meus filhos, porque a transformação genética deles é uma transformação histórica. Meus filhos são negros, eu brinco que nós nos tornamos uma família negra. E aí vamos aprender juntos. Aprendemos juntos a ser negros, a termos o nosso cabelo crespo, a valorizar a nossa história [...]. Para mim são meus filhos. Não são meus filhos adotivos, são meus filhos e ponto final. (relato, pai adotante, 2020)

Mesmo as dificuldades do processo de se tornar pai relatadas pelo pai não podem, segundo seu aprendizado, ser explicadas pelo fato da família ter sido constituída por adoção. Em conversas com outras mães e outros pais descobriram que perder a paciência com os filhos, chegando quase no limite, é uma experiência compartilhada e “que isso não tinha nada a ver com a adoção, mas [...] com o aprender a ser mãe e ser pai e lidar com os infortúnios e as incompetências dessa história.”.

Indagado sobre a questão dos tempos e ações públicas de cada fase do processo, o pai destaca que em alguns momentos ele se sentiu abandonado pelo poder público. Segundo ele, aconteceram poucas sindicâncias e algumas vezes entre uma e outra não se conversou sobre momentos tensos, onde reais possibilidades de rupturas relacionais se fizeram presentes. O processo vivido por ele foi carregado de muitas tragédias familiares, primeiro, com o pai das crianças que foi apenado e que viveu uma paternidade muito conflituosa, segundo, a mãe que se envolveu com drogas durante muitos anos e que durante o processo veio a óbito. E depois, a destituição familiar traumática onde os parentes mais próximos foram acionados e ele não ficou sabendo de grande parte disso tudo. O pai revelou que não sabia que no processo de destituição familiar, por exemplo, havia a possibilidade de decisão favorável à família de origem e comentou: “eu sabia só um pedacinho, e já foi muito sofrimento... imagina se eu soubesse que isso pudesse acontecer. E qual é o meu lugar nessa história, de torcer pra quem?” O processo durou um longo tempo, passando pela primeira e segunda instâncias, sendo esse tempo relacionado “à história e à dor dessa outra família”. A existência dessa família anterior e o processo de destituição do poder familiar são constitutivos da adoção e vão marcar todo o processo de se tornar pai e mãe por adoção. Essa questão deve ser enfrentada de alguma forma, como vimos, anteriormente, nos depoimentos das mães adotantes. No caso do pai entrevistado, houve a decisão de evitar o uso do termo pai e mãe biológicos, sendo a ênfase deslocada para a da existência de uma família anterior que se rompeu e da necessidade de construção de outra. As informações sobre essa família são dadas à medida que os filhos perguntam, mas o caminho tentado pelo casal é que os filhos “recuperem a história deles via terapia”. Parece haver uma dificuldade, por parte do entrevistado, de conversar com os filhos sobre o “trauma” vivido, de encontrar a melhor forma de se falar.

Como eu disse, a mãe faleceu e as minhas filhas sabem disso desde o início. Todos eles hoje já sabem, a gente conta essa história da mãe que foi pro céu e tá lá. Mas os meninos não sabem do pai, meu mais novo não faz a menor ideia desse lugar. Eu ainda não sei como é que eu vou contar essa história, que em breve eu sei que ele vai perguntar. Mas, nunca me perguntaram.

Outro aspecto de destaque é a questão jurídica que não se desenrola em outras esferas do poder público.

Quando sai a adoção, o processo de sair a documentação é ... quantas vezes precisei viajar com meus filhos levando documentação (antiga). A escola. Se eu pudesse dar uns tapas em diretor de escola, quantas vezes eu tive vontade. Sabe a carteira de escola que autoriza somente o pai buscar e as carteiras dos meus filhos viam com o nome do pai que estava preso. Aquela coisa que a Escola não consegue entender e evitar isso. Aquela coisa de eu receber telefonema do Bolsa Família procurando a mãe das crianças aqui na minha casa. Então assim é um processo muito tenso. Por isso é indescritível o dia que a gente vai tirar a carteira de identidade com os novos dados, com novo CPF. Mas eu queria reafirmar que eu nunca critiquei o sistema de justiça e demais órgãos públicos por conta disso tudo. Eu aprendi que os tempos são tão bem marcados porque muitos deles são marcados por dores e angústias. (relato, pai adotante, 2020)

Na sua percepção foi o desejo de que a situação desse certo e de uma maturidade que ele e sua esposa já haviam desenvolvido que culminaram em uma experiência exitosa de adoção. Do contrário seria muito difícil dar certo. Ele aponta para a importância de encontros com outros casais adotantes para dirimir algumas angústias e compartilhar felicidades, mas que deveriam ser “mediados pelo poder público”, ou seja, um projeto intencionalmente concebido.

Em síntese, pode se dizer que os processos de adoção são diversos, pois, as histórias de vida das crianças e seus pais são repletas de nuances delicadas e muitas vezes espinhosas. Alguns aspectos chamaram atenção. O primeiro deles é tempo que pode durar um processo de adoção, que apesar de ser necessário para que os trâmites jurídicos e a constituição de novos laços familiares aconteçam de forma satisfatória, ele pode ser muito diferente para cada processo, pois, depende da realidade social de cada criança/família. Assim sendo, é importante enfatizar que este tempo da adoção pode ser ao mesmo tempo longo, angustiante e difícil.

Destaca-se a importância do curso de preparação que é oferecido para as famílias adotantes, pois, ele se mostrou uma estratégia interessante para dirimir as angústias e representações romantizadas da adoção, mas parece ser necessário aumentar a frequência e sua abrangência.

Destaca-se também a importância da vontade, determinação e sensibilidade da família adotante em fazer o processo ser o mais exitoso possível, para ambas as partes. Para tanto, parece que faz-se necessário uma preparação e um amadurecimento psicológico para superar os desafios que se apresentam no caminho.

5. Considerações finais

O processo de tornar-se pai e mãe por adoção legal implica vivenciar uma específica constituição das relações familiares que exige um posicionamento diante de várias questões, muitas vezes, carregado de incertezas e ansiedade, conforme evidenciado nos relatos acima interpretados. Questões relacionadas à decisão de adotar; à revelação para os de fora do círculo social mais imediato e para as crianças, no caso de adoção de recém-nascidos ou com alguns meses de vida; à participação dos interessados no processo formal de adoção e a definição do perfil da criança; à expectativa da espera da criança, que pode chegar a qualquer momento; ao primeiro contato com a criança e o sentimento de medo e insegurança, em especial no caso de adoção tardia; aos desafios da convivência diária, em especial no caso de adoção tardia; às dificuldades da situação provisória da guarda; às percepções estigmatizadas sobre criança adotada em função da valorização da filiação por consanguinidade e a necessidade de afirmação explícita e constante da maternidade e paternidade; à existência de uma família anterior que viveu um processo de destituição do poder familiar, com a consequente ruptura na relação da criança com sua família de origem que passa a ser representada socialmente de forma negativa.

Cláudia Fonseca (1995), em seu estudo comparativo entre a prática corriqueira e tradicional encontrada em famílias de grupos populares urbanos de circulação de crianças entre diferentes mães e a adoção formal ou legal regulamentada no direito brasileiro, discute de que forma a legislação “afeta os direitos dos pais e o bem-estar da criança”. (Fonseca, 1995, p. 130). Em relação aos direitos dos pais, a autora observa que “os genitores da criança perderam terreno” (Fonseca, 1995, p.130) com a possibilidade de apagar a filiação biológica, cessando radicalmente o vínculo entre genitores e seus filhos. Sobre a segunda questão, a autora identifica um paradoxo entre garantir o bem-estar da criança e evitar a estigmatização de pais pobres pela legislação, uma vez que o sistema de adoção brasileiro se caracteriza por uma “desigualdade fundamental de status sócio-econômico entre os pais doadores e os pais recebedores”. (Fonseca, 1995, p.136). Fonseca (1995) observa que a valorização social e cultural da consanguinidade pode interferir no bem-estar da criança na medida em que pode levar ao “segredo das origens” e, como vimos, ao medo da família de origem:

Frente à demanda maciça da parte de crianças adotivas ao acesso a estes dados, é difícil entender a intransigência dos legisladores em esconder a identidade dos genitores. Sobretudo quando o desejo de apagar a filiação biológica não emana dos genitores, como é possível ter a certeza de que o segredo das origens seja a solução mais indicada para o bem-estar da criança? (Fonseca, 1995, p. 135-136).

A autora também indaga se seria possível separar duas noções que se confundem na adoção moderna: a de autoridade parental que é transferida de forma total e irrevogável e a filiação, pois segundo afirma, “no que diz respeito à identidade social e psíquica da criança, a vantagem da filiação aditiva deve ser evidente.” (Fonseca, 1995, p. 135). Por outro lado, considera que a filiação aditiva tal como existia no sistema tradicional de circulação de crianças poderia impedir que muitas crianças fossem adotadas, uma vez que “a obrigação de conviver com a ‘primeira mãe’ de seu filho adotivo seria motivo suficiente para a maioria dos pais adotivos desistir de seu projeto.” (Fonseca, 1995, p. 141). Respostas para essa e outras questões devem ser buscadas, segundo a autora, considerando-se a realidade, em busca de “acionar imaginação suficiente para criar novos modos de agir”. (Fonseca, 1995, p.141).

Costa e Ferreira (2007) também problematizam a questão do silêncio em torno da família anterior da criança. As autoras consideram que a ausência de informações sobre o passado da criança por parte dos pais por adoção torna mais difícil a acolhida da criança e a tentativa de esquecê-lo, com a consequente criação de sentidos negativos a respeito desse momento anterior, “dado que para a maioria das crianças abrigadas esse passado envolve histórias de abandono, negligência, rupturas, perdas e (ou) violência” (Costa e Ferreira, 2007, p.433),

dificultam o processo de adoção e de constituição da maternidade e da paternidade. Além disso, podem favorecer o segredo em torno da adoção para aquelas crianças adotadas mais novas [...] ou nas adoções tardias, podem desenvolver um sentimento de que é proibido falar desse passado ruim (interdição). (Costa e Ferreira, 2007, p. 433).

Os pais por adoção devem conversar abertamente com a criança sobre esse passado, segundo as autoras, “auxiliando-a a construir narrativas sobre ele e a não se sentir traindo nem os pais biológicos em os pais atuais”. (Costa e Ferreira, 2007, p.433).

Um aspecto que pode emergir na relação cotidiana entre pais e filhos por adoção merece uma atenção especial. Esse aspecto foi discutido por Vianna (2005) em seu estudo sobre processos de guarda de crianças na passagem dos anos 80 para 90 no Rio de Janeiro, o denominando de “retórica da gratidão”, ou seja, “argumentos, relatos e reflexões de diferentes atores sociais presentes nos processos que tematizam a ideia de compromisso ou da dívida moral estabelecida a partir de atos aparentemente gratuitos [...]” (Vianna, 2005, p.43). Trata-se da formação de expectativas de retribuição em forma de gratidão, que a criança teria como obrigação manifestar, expectativas essas que podem surgir das “motivações para guarda ou adoção enunciadas em torno do desejo de ‘fazer bem a uma criança carente’”. (Vianna, 2005, p. 49). Essa é, aliás, uma representação social muito difundida sobre as pessoas que resolvem adotar uma criança, ato esse valorizado moralmente. Nos processos analisados pela autora, o não reconhecimento da gratidão estava associado à desobediência cotidiana da criança. Durante o período da guarda provisória, inclusive, a desobediência pode ser enfrentada pela ameaça de devolução da criança. Vianna (2005, p.49) conclui que “a desobediência [...] não pode ser tolerada num contexto de dádivas tão pesadas, tão impossíveis de serem pagas”. Ser obediente é a forma esperada de retribuição da gratidão do cuidado recebido, configurando, assim, o que a autora denomina de “a opressão da bondade”. (Vianna, 2005, p.49).

Os três depoimentos apresentados anteriormente revelam as dificuldades enfrentadas pelos casais em tornar-se mãe e pai por adoção e as formas por eles utilizadas para superar essas dificuldades. A explicitação e o diálogo sobre essas questões com os candidatos à adoção, durante todo o processo e após a efetivação da transferência de responsabilidade pela criança poderiam contribuir para facilitar a constituição de novas relações familiares, possibilitando uma inserção menos tensa das crianças nesse novo ambiente.

5. Referências Bibliográficas

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